quarta-feira, 21 de maio de 2008

ANÁLISE: CHAPEUZINHO VERMELHO






A estória do Chapeuzinho Vermelho tem muitas versões.

A imagem de uma menina “inocente” e encantadora sendo engolida por um lobo deixa uma marca indelével na mente.

A versão mais popular deste conto é a assinada pelos Irmãos Grimm, Chapeuzinho e a vovó voltam a viver e o lobo sai castigado exemplarmente.

Perrault foi quem escreveu a primeira versão deste conto: "Capinha Vermelha”.

O especialista em contos infantis mais abalisado, Andrew Lang, opina que se todas as versões de Chapeuzinho Vermelho terminassem como a versão de Perrault terminou, seria melhor que as abandonássemos.

Foi com os Irmãos Grimm que este conto teve a sua salvação e se transformou no conto de fadas mais divulgado dentre todos eles.

A estória de Perrault possui um adendo que é desconhecido das outras versões. Um pequeno poema se segue após a avó e a neta terem sido devoradas pelo lobo e este poema tem uma MORAL a ser guardada: meninas bonitinhas não devem conversar com quem não conhecem,se o fazem , não é de se admirar que sejam “devoradas”.

Quanto ao comportamento dos “lobos”, os mais gentis são os mais perigosos, principalmente os que acompanham as menininhas até ás suas casas. Perrault gostava de colocar MORAL em todos os seus contos.

A estória de Chapeuzinho Vermelho, foi baseada em uma estória muito antiga que chega ao MITO DE CRONOS, que devorava os seus filhos que depois saiam da sua barriga colocando nela, em seus lugares, montes de pedras.

A versão de Perrault contém falhas, Chapeuzinho não foi advertida por ninguém para não perder o seu tempo conversando com estranhos encontrados no seu caminho.

A vovó também, coitada, não havia cometido falta alguma que merecesse o castigo de ter morte tão cruel.

A versão de Perrault, enfim, não deixa margem para que a imaginação do leitor entre em campo para dar um significado pessoal á estória.

Perrault especifica todas as ações da trama não sobrando nada para o campo da imaginação entrar em ação.

Contrariando o que o autor desejava, o que acontece é que o leitor chega a duas conclusões: ou Chapeuzinho é estúpida ou deseja ser seduzida e se finge de estúpida, a imagem de uma mulher decaída e cheia de truques!

O valor dos contos infantis para a criança é destruído, quando o autor “mastiga” os detalhes os traduzindo para a mente infantil lhe poupando o trabalho de fazer uso da sua imaginação.

Há especialistas que pedem , inclusive, que as estórias redigidas para o publico infantil não sejam ilustradas, as ilustrações “cortam “, limitam a imaginação e a criatividade da criança.

Os bons contos de fadas têm significados em muitos níveis; só a criança pode saber quais os significados importantes para elas.

A medida que vai crescendo, relendo os contos, ela irá descobrir novos significados o que lhe dará a certeza de que evoluiu e amadureceu em compreensão, já que a mesma estória lhe mostra agora outros aspectos que não havia considerado anteriormente.

Assim, os contos atingem a sua missão: a criança é quem irá descobrir, por si mesma, os significados ocultos nos textos.



A IDÉIA MESTRA DO CONTO CHAPEUZINHO VERMELHO

“A idéia de que Chapeuzinho lida com a ambivalência infantil entre viver pelo princípio do prazer ou pelo da realidade é sustentada pelo fato dela só parar para colher flores “quando já juntara tantas que não podia mais carrega-las”.

A vovó só é recordada quando o prazer de colher flores termina, aí, Chapeuzinho se lembra da sua meta: a avó e fazer-lhe uma visita, isto é só quando colher flores e o prazer que isto lhe traz termina, o id em busca de prazer recua e Chapeuzinho passa a tomar conhecimento das suas obrigações.”

Chapeuzinho é na realidade uma criança que já luta com problemas pubertais, para os quais ainda não está preparada emocionalmente pois ainda não dominou os problemas edípicos.”

Chapeuzinho, porém é mais madura do que João e Maria, demonstrando uma atitude interrogativa diante do mundo que os dois irmãos desconhecem, por não se questionarem sobre a casa de biscoitos, nem explorarem as intenções da bruxa.

Chapeuzinho é curiosa, deseja descobrir coisas (sua mãe já advertiu , de início, que não fique espionando pelos quatro cantos).

Quando ela encontra a vovó que lhe parece “muito estranha”, a menina se confunde com os disfarces usados pelo lobo, mas ela não se intimida e quer entender o que está se passando e passa a interrogar a “vovó”: porque estas orelhas tão grandes? Porque estes olhos tão grandes? Porque as mãos tão grandes, porque a boca terrível, ela está enumerando os quatro sentidos, audição, visão ,tato, paladar que a criança púbere usa para compreender o mundo.

A quantidade de aspectos que este conto oferece é impossível de ser resumida neste pequeno ensaio portanto iremos colocar em evidência as suas mensagens principais.



O TEMA CENTRAL

O tema central da estória é a ameaça de Chapeuzinho ser devorada.

Chapeuzinho Vermelho aborda alguns problemas cruciais que a menina em idade escolar tem de solucionar quando as ligações edípicas persistem no inconsciente, o que pode levá-la a expor-se perigosamente a possíveis seduções.

A casa da floresta é o símbolo do lar paterno, que são vivenciados de modo diferente devido a mudanças na situação psicológica.

Na sua casa paterna, Chapeuzinho tem a proteção dos seus pais,é a criança pré-pubere sem conflito algum e capaz de lidar com as circunstâncias.

Na casa da vovó, também oferecendo segurança, Chapeuzinho sente insegurança e incapacidade de resolver as situações em conseqüência do seu encontro com o lobo.

Já ultrapassada a ansiedade oral, que encontramos claramente no conto “JOÃO E MARIA” (comer a casa de biscoitos , representação simbólica da mãe má que os abandonou ou os forçou a abandonar o seu lar) Chapeuzinho oferece alimentação á sua avó, compartilhando com ela a fartura que encontra no seu lar.

Chapeuzinho já pode abandonar o seu lar sem ser empurrada para fora dele (João E Maria) , ela não teme o mundo externo e o admira reconhecendo a sua beleza.... aí encontra-se o perigo! Pode surgir aí o dilema de o mundo fora do lar e do dever se tornar mais atraente, Chapeuzinho correria o risco de basear o seu comportamento no princípio do prazer.

Esta luta, entre o princípio da realidade e o do prazer está oculta nas seduções contidas nas palavras do lobo: "Veja como são lindas as flores ao seu redor.Por que não dá uma olhada? Acho que nunca parou para escutar o canto dos pássaros.... aqui na floresta tudo É prazer e você está caminhando atenta como quando vai á escola....etc" Surge ai o conflito entre realizar o que gostamos e o que devemos, de conformidade com a advertência feita, anteriormente, pela mãe de Chapeuzinho.

A fama e a aceitação deste conto vem do fato de que apesar de Chapeuzinho ser uma menina virtuosa ela sofre as tentações e o que lhe acontece indica a criança que não podemos confiar nas intenções de todos, mesmo aqueles que julgamos bons e agradáveis, isto nos sujeita a armadilhas perigosas.

Se, dentro de nós mesmos,não existisse uma parte de nós que aprecia o lobo mau ele não obteria poder algum sobre nós.

Então, é a hora de procurar o entendimento de si próprio e de saber o que é atraente para nós mesmos.

Por mais atraente que seja sermos ingênuos, não podemos caminhar pela vida sendo ingênuos o tempo todo.



EMOÇÕES VIOLENTAS E SEXUAIS

A cor vermelha, símbolo das emoções violentas e do sexo, é a tônica que colore todo este conto.

Segundo o genial psicanalista Grodeck, "o Chapeuzinho é o símbolo do prepúcio masculino uma transferência prematura da atração sexual", que é acentuada pelo fato de a avó estar velha e doente, demais até para abrir a porta, acrescenta o psicólogo Bruno Bettelheim.

Bettelheim prossegue: “A pessoa imatura, que ainda não está pronta para o sexo, mas é exposta a uma experiência que suscita fortes sentimentos sexuais, recai nas formas edípicas de lidar com ele.

A pessoa só acredita então que possa vencer no sexo livrando-se dos competidores mais experientes-daí as instruções específicas que Chapeuzinho dá ao lobo para que este chegue à casa da avó.

É como se estivesse dizendo: "Deixe-me sozinha, vá ter com vovó que é uma mulher madura; ela será capaz de lidar com o que você representa, eu não sou."

Na variação dos Irmãos Grimm, uma solução: depois de uma experiência ruim, Chapeuzinho se convence de que ainda é imatura e deve estabelecer aliança com sua mãe ( avó).

Tanto a coisa se passa assim, que é a avó, com a sua sabedoria que engendra o estratagema para castigar o lobo e é obedecida pela neta.

Juntas, com facilidade dão um castigo exemplar ao lobo.Os Grimm especificam a seguinte questão: o lobo pensa, tenho que acabar primeiro com a avó (mãe) a figura protetora da menina.

Depois eu a terei só para mim. Diz Djuna Barnes: "As crianças sabem de algo que não podem explicar; gostam de Chapeuzinho Vermelho e o lobo na cama.".

"Chapeuzinho Vermelho, de forma simbólica projeta a menina nos perigos do conflito edípico durante a puberdade, e depois salva-a deles,para que ela possa amadurecer livre de conflitos."

Através de Chapeuzinho, a menina tende a entender a natureza contraditória do homem: tendências egoístas, associais, violentas e potencialmente destrutivas do id ( homem ). Mas também aprende as propensões altruístas, sociais, reflexivas do ego ( o caçador).

Pergunta: então Chapeuzinho Vermelho é uma estória para meninas quase na puberdade? Não, mesmo uma criança de quatro anos se questiona, dentro dos seus limites e tira as suas conclusões corretas ouvindo a trama.



O CAÇADOR

É uma grande figura, muito atraente, tanto para os meninos quanto para as meninas. Ele é o salvador que salva os bons e castiga os maus.

Todas as crianças encontram dificuldades em obedecer ao princípio da realidade, e reconhecem facilmente nas figuras opostas do lobo e do caçador, o conflito entre o id e os aspectos do superego da personalidade.

O caçador, entretanto, é uma incógnita, de onde vem? É verdade que ele salva Chapeuzinho e a avó e...ponto final.

Raciocinamos : onde esteve o pai da menina o tempo todo? O caçador lança a sugestão de que encarna o pai que esteve velado durante todo o desenrolar da estória.

Aliás este pai esteve mesmo como “sujeito oculto” em todo o desenrolar da estória, como lobo,” a externalização dos perigos de sentimentos edípicos reprimidos, e como caçador na sua função resgatadora e protetora.

“Chapeuzinho Vermelho perdeu a sua inocência infantil quando se encontrou com os perigos do mundo e os de dentro dela e trocou-os pela sabedoria que só os que “renascem” possuem: os que não só dominam uma crise existencial, mas também tomam consciência de que era a sua própria natureza que os projetava na crise.”


FONTE: A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS

AUTOR: BRUNO BETTELHEIM

EDITORA: PAZ E TERRA

sábado, 10 de maio de 2008

PUBLICIDADES: CONTOS DE FADAS







CRONOLOGIA: MONTEIRO LOBATO


1882 - Em 18 de abril nasce em Taubaté José Renato Monteiro Lobato, Filho de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato, na casa do avô materno, José Francisco Monteiro, Visconde de Tremembé.
1886 - Nasce Ester Monteiro Lobato (Teca), outra filha do casal.
1888 - Já alfabetizado pela mãe, José Renato tem aulas particulares com Joviano Barbosa.
1889 - Em Taubaté, Monteiro Lobato freqüenta os colégios Kennedy, Americano e Paulista.
1893 - Altera seu nome para José Bento. Freqüenta o Colégio São João Evangelista
1894 - Ganha e usa (envergonhadíssimo) sua primeira calça comprida.
1895 - Em dezembro vai para São Paulo, onde em janeiro prestará exames para o ingresso no curso preparatório.
1896 - Reprovado regressa a Taubaté e ao Colégio Paulista. Durante o ano letivo colabora no jornalzinho estudantil O Guarani, coleciona textos que o interessam e lê muito. Em dezembro é aprovado nos exames que presta.
1897 - Transfere-se para São Paulo, interno (por três anos) no Instituto Ciências e Letras.
1898 - Em 13 de julho morre seu pai. No Instituto Ciência e Letras participa pela primeira vez das sessões do Grêmio Literário de Azevedo.
1899 - Em 22 de junho morre sua mãe.
1900 - Ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo. Com os colegas de turma, funda uma Acadêmica, em cuja sessão inaugural faz um discurso intitulado Ontem e hoje.
1902 - É eleito presidente da Arcádia Acadêmica. Colabora com artigos sobre teatro no jornal Onze de Agosto.
1903 - Forma-se o grupo O Cenáculo, que reúne Monteiro Lobato, Ricardo Gonçalves, Cândido Negreiros, Raul de Freitas, Godofredo Rangel, Tito Lívio Brasil, Lino Moreira, José Antonio Nogueira.
1904 - Formado, Monteiro Lobato regressa a Taubaté. Vencedor de um concurso de contos, o texto Gens ennuyeux é publicado no jornal Onze de Agosto.
1905 - De Taubaté, Lobato queixa-se de vida interiorana. Acalenta planos de fundar uma fábrica de geléias em sociedade com um amigo.
1906 - Firma namoro com Maria Pureza da Natividade. Ocupa, interinamente, a promotoria de Taubaté.
1907 - Assume a promotoria de Areias.
1908 - Em 28 de março, casa-se com Maria Pureza.
1909 - Em março Nasce Marta, primogênita do casal. Insatisfeito com a pacatez de Areias planeja abrir uma venda.
1910 - Em maio nasce Edgar, seu segundo filho. Associa-se a um negócio de estradas de ferro.
1911 - Herda a fazenda Buquira, para onde se muda. Dedica-se à modernização da lavoura e da criação. Abre um externato em Taubaté, que confia ao cunhado.
1912 - Em 26 de maio nasce Guilherme, seu terceiro filho.
1913 - Insatisfeito com a vida na fazenda planeja, com Ricardo Gonçalves, explorar comercialmente o Viaduto do Chá.
1914 - Em 12 de novembro O Estado de São Paulo publica o artigo "Velha praça". Em 23 de dezembro, o mesmo jornal publica "Urupês".
1916 - Na vila de Buquira envolve-se com a política, mas logo se desencanta. Em fevereiro nasce Ruth, sua última filha. Inicia colaboração na Revista do Brasil, recém-fundada.
1917 - Vende a fazenda. Funda, em Caçapava, a revista Paraíba. Transfere-se com a família para São Paulo. Organiza para O Estado de São Paulo uma pesquisa sobre o saci. Em 20 de dezembro, publica crítica desfavorável à exposição de pintura de Anita Malfatti.
1918 - Em maio compra a Revista do Brasil. Em julho, publica com retumbante sucesso o livro "Urupês". Funda a editora Monteiro Lobato Cia. Publica, com o título O problema vital, um conjunto de artigos sobre saúde pública.
1919 - Rui Barbosa, em campanha eleitoral, evoca a figura do Jeca Tatu, reacendendo a velha polêmica.
1920 - O conto "Os faroleiros" serve de argumento para um filme de Antonio Leite e Miguel Milani.
1921 - Lançamento de Narizinho arrebitado, com anúncios na imprensa e distribuição de exemplares gratuitos para escolas, num total de 500 doações.
1922 - Inscreve-se para uma vaga na Academia Brasileira de Letras, mas desiste.
1924 - Incorpora gráfica moderníssima, à sua editora.
1925 - A editora de Monteiro Lobato vai à falência. Em sociedade com Octales Marconde, funda a Companhia Editora Nacional. Transfere-se para o Rio de Janeiro.
1926 - Concorre a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, e é derrotado. Em carta ao recém-empossado Washington Luís, defende os interesses da indústria editorial. Publica em folhetim O presidente negro.
1927 - É nomeado adido comercial brasileiro em Nova Iorque, para onde se muda. Planeja a fundação da Tupy Publishing Company.
1928 - Entusiasmado com os Estados Unidos, visita em Detroit a Ford e a General Motors. Organiza uma empresa brasileira para produzir aço pelo processo Smith.
1929 - Joga na Bolsa de Nova Iorque e perde tudo o que tem.
1930 - Para cobrir suas perdas com o crack da Bolsa, vende suas ações da Companhia Editora Nacional.
1931 - Retornando dos EUA, funda a Companhia de Petróleo do Brasil. Organiza a publicação de várias histórias infantis no volume Reinações de Narizinho. Por alguns anos, seu tempo é integralmente dedicado à campanha pelo petróleo, e sua sobrevivência é garantida pela publicação de histórias infantís e tradução de livros.
1934 - Sua História do mundo para crianças começa a sofrer crítica e censura da Igreja.
1936 - Apresentando um dossiê de sua campanha em prol do petróleo, O escândalo do petróleo esgota várias edições. Ingressa na Academia Paulista de Letras.
1936 - O governo proíbe e recolhe O escândalo do petróleo. Morre Heitor de Morais, cunhado de Monteiro Lobato, seu correspondente e grande amigo.
1938 - Cria a União Jornalistica Brasileira, empresa destinada a redigir e distribuir notícias pelos jornais.
1939 - Carta de Lobato ao ministro da Agricultura precipita a abertura de um inquérito sobre o petróleo. Em fevereiro, morre seu filho Guilherme.
1940 - Recebe (e recusa) convite de Getúlio Vargas para dirigir um Ministério de Propaganda. Em carta a Vargas, faz severas críticas à política brasileira de minérios. O teor da carta é tido como subversivo e desrespeitoso.
1941 - Em março é preso pelo Estado Novo, permanecendo detido até junho.
1942 - Em fevereiro morre seu filho Edgar.
1943 - Comemoração dos 25 anos da publicação de Urupês.
1944 - Recusa indicação para a Academia Brasileira de Letras.
1945 - Em setembro, opera-se de um cisto no pulmão. Recebe e recusa convite para integrar a bancada de candidatos do Partido Comunista Brasileiro. Envia saudação a Luís Carlos Prestes, a ser lida no comício do Pacaembu. Integra a delegação de escritores paulistas ao I Congresso Brasileiro de Escritores.
1946 - Muda-se para a Argentina. É contrário à fundação de um Museu de Arte Moderna em São Paulo. Prepara para a Editora Brasiliense, a edição de suas obras completas.
1947 - Regressa ao Brasil.
1948 - Em abril, um primeiro espasmo vascular cerebral afeta a motricidade de Monteiro Lobato. Em 5 de julho, morre de madrugada, seu corpo é velado na Biblioteca Municipal, e o sepultamento realiza-se no Cemitério da Consolação.

SEMINÁRIO: O VISUAL NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL


Diálogo entre o verbal e visual

Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini

“A boa ilustração representa o visual e também dialoga com o texto, questiona, reformula, sintetiza e acrescenta ao que já foi escrito, possibilitando ao pequeno leitor uma leitura rica, completa” (PORTO, 2001: p. 47).



TEXTO E A IMAGEM: devem conversar o tempo todo, o diálogo deve ser constante para haver uma unidade. Um complementa o outro, um destaca o outro. A ilustração conversa com a linguagem verbal apresentando diferentes possibilidades de leitura de um mesmo texto, é outra a forma de fruição dos seus significados, sugerindo, clareando, instigando, apontando, indo além. “A ilustração vai ser responsável pelo tom da história” (ODILON MORAES, 2007). A imagem deve falar ao leitor, também suscitando as emoções carregadas na narrativa.

A imagem desperta perguntas no leitor, questionamentos que podem se tornar o ponto de partida para novas leituras, que podem significar um alargamento do campo de consciência: do indivíduo, do meio, da cultura, da história.

ILUSTRAÇÃO: valor indiscutível no livro infantil contemporâneo.
Desempenha vários papéis no diálogo com o texto verbal:
· estímulo à imaginação
· despertar para a experiência ético-estética
· desenvolvimento do raciocínio lógico
· leitura de um código não-verbal, a imagem, como exercício de leitura do próprio mundo

1. Ilustração?
O conhecimento do mundo advém de um processo onde o sentir e o simbolizar se articulam e se completam. O conhecimento dos sentimentos e a sua expressão só podem se dar pelo uso de SÍMBOLOS que não os lingüísticos. E a ARTE é uma das formas que nos leva a conhecer e a expressar os sentimentos. (DUARTE JR., 1988: p. 16)

Na arte nos são apresentados aspectos e maneiras de nos sentirmos no mundo, que a linguagem verbal não pode conceituar. Com a ajuda da arte o homem encontra sentidos que não podem se dar de outra maneira senão por ela própria.

LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ocupa um lugar privilegiado e pode influir sobre a vida afetiva e estética da criança, pois é o encontro entre duas artes: palavra (texto) e imagem (ilustração).

A ilustração não é privilégio dos livros infantis, pois ela aparece desde a Idade Média, na época dos livros manuscritos, sob a forma de ILUMINURAS: Arte de ornar um texto, página, letra capitular com desenhos, arabescos, miniaturas, grafismos diversos.

Ou antes disso, aparece na decoração das PAREDES DE ANTIGOS MOSTEIROS (séc. IV), em cenas do Velho e Novo Testamento:
· conhecidos como os livros para os iletrados
· estes livros ensinavam aos analfabetos a história bíblica
· as imagens podiam ser lidas como se fossem palavras de um livro, e as escrituras eram aprendidas por meio da leitura dessas ilustrações

Séc. XIII: a iconografia bíblica transferiu-se do estuque para vitrais, madeira e pedra.
Início do séc. XIV: as imagens foram reduzidas e reunidas em foram de livro:
· Iluminadores e gravadores começaram a representar as imagens em pergaminho e papel. O texto feito à mão era riquíssimo em linguagem visual e ornamentos.
· O trabalho dos escribas era complementado pelas penas e pincéis dos iluministas.
· “A linguagem escrita era privilégio de uma casta monárquica e religiosa. Para a grande massa só existia a linguagem oral.” (LINS, 2002: p. 19)

Esses LIVROS DE IMAGENS se tornaram muito populares e eram feitos em vários formatos. Conhecidos como “Bibliae pauperum, ou seja Bíblia dos pobres” (MANGUEL, 1997: p. 123).
grandes livros de figuras onde cada página era dividida para receber duas ou mais cenas do Testamento e ficavam abertas sobre um suporte para expor suas imagens aos fiéis.

Se formos um pouco mais longe, podemos lembrar que a imagem é uma das expressões mais antigas do homem, seria interessante pensar nos DESENHOS NAS PAREDES DAS CAVERNAS de Lascaux (França) ou as pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), como narrativas visuais onde os homens transmitiam MENSAGENS, MEDOS, DESEJOS.

Segundo Brandão (2002: p. 5), a ilustração aparece na forma de pinturas em todos os suportes de escrita existentes que pertencem à história da humanidade, confirmando que a existência da ilustração não se encontra presa aos livros. Desde os primórdios da ESCRITA que hoje conhecemos, texto e imagem interagem e coexistem.

“Na evolução da escrita, verbal e visual se complementam, criando padrões estéticos, facilitando a sua reprodução e conseqüentemente a sua compreensão e a comunicação entre os povos” (LINS, 2002: p. 19).

No Egito: como exemplo dessa interação, temos os Livros dos Mortos, que era ilustrado com cenas muito vivas, acompanhando o texto com singular eficácia.
· As imagens desses livros, miniaturas, eram pintadas com cores transparentes. Esses livros eram formados de tramas de fibras do tronco de papiro.
· Nos rolos de papiro, os egípcios escreviam e ilustravam volumes sobre ciências, história, magia e religião - eram ricamente decorados e continham os rituais funerários.

Esses são alguns exemplos da existência da ilustração na nossa história. O DIÁLOGO ENTRE O VERBAL E O VISUAL começa a se fazer presente.

Luis Camargo (1995: p. 28) define ILUSTRAÇÃO como toda imagem que acompanha um texto, pode ser desenho, pintura, fotografia, gráfico.

Definição da palavra ilustração:
1 Ato ou efeito de ilustrar. 2 Esclarecimento, explicação. 3 Breve narrativa, verídica ou imaginária, com que se realça e enfatiza algum ensinamento. 4 Conjunto pessoal de conhecimentos históricos, científicos, artísticos etc. 5 Publicação periódica com estampas. 6 Desenho, gravura ou imagem que acompanha o texto de livro, jornal, revista etc., ilustrando-o. I. divina: inspiração.

“A idéia que se faz da ilustração como explicação ou ornamento parece provir dessas primeiras acepções da palavra”. “... pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, principalmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração seja informar e enfeitar. MAS SERÃO APENAS ESSAS AS FUNÇÕES DA ILUSTRAÇÃO?” (CAMARGO, 1995: p. 30).

Benjamim (1984: p. 55) acredita que por meio da ilustração a criança pode criar um mundo novo, um texto novo, onde VIVENCIA A ESTÓRIA, imagina cenários e situações, e estabelece relações entre a imagem e a palavra escrita.

Para Furnari (apud Góes, 2003: p. 43), a ilustração tem grande importância para a criança:
· como apoio ao aprendizado da leitura verbal
· como linguagem autônoma
· em diálogo com outras linguagens.
· é através do elemento visual que se veicula grande parte da informação.

Literatura infantil e juvenil: meio de informação, de formação e de sensibilização da criança.

“O livro de verdadeira literatura infantil é o encontro de dois artistas, que oferecem à criança uma DUPLA FRUIÇÃO DA ARTE.” (CUNHA, 2003: p. 75)

2. ILUSTRADORES: o que pensam sobre o diálogo verbal e visual
Odilon Moraes:
· Texto e imagem devem conversar o tempo todo: diálogo = unidade
· Um complementa o outro, um destaca o outro.
· A ilustração não existe sem um texto, seja ele explícito ou não.
· “A ilustração acolhe e dá uma casa para uma palavra que ainda não tem forma, ou melhor, possibilita uma infinidade de formas.”
· A ilustração conta uma história e a palavra conta outra, e para haver esse diálogo, ela deve fazer o texto falar, precisa dar voz a ele. O que vai dar vida ao texto, o seu som, vai vir da ilustração, da forma que ela for colocada.
· Ilustração: conduzir a história e dar o ritmo ao texto.

Ricardo Azevedo:
“A meu ver, o ilustrador deve fugir de certas imagens que são só do texto. Por exemplo, jamais desenhar a mulher bonita da história mas sim um detalhe dela, seu pé, sua orelha, seu quarto, sua sombra. Desenhá-la em carne e osso é sempre trair a imaginação do leitor”

Thais Linhares:
“O texto comove, diverte, assusta. A imagem deve falar ao leitor, também suscitando as emoções carregadas na narrativa”.

Mariana Massarani: a ilustração conversa com a linguagem verbal apresentando diferentes possibilidades de leitura de um mesmo texto. “O ilustrador é um co-autor”.

Ivan Zigg: “Busco sempre uma harmonia entre texto e ilustração, para que haja uma conversa entre eles”.
· Os ilustradores destacaram a importância de ser um bom leitor, assim podem ter uma visão ampla do texto, sem delimitar a história.
· Sua forma de percepção do texto, das imagens, do mundo, reflete diretamente nas ilustrações que desenvolvem, na maneira como se expressam, enriquecendo o universo de símbolos que aparecem em uma determinada história.
· É a busca do novo, do inédito, a exploração dos significados implícitos, a sugestão e não imagens óbvias, sempre despertando a imaginação do leitor, permitindo que esta flua durante a leitura das ilustrações.

3. Livros ilustrados
A ilustração pode aparecer de diversas maneiras dentro do livro infantil:
· Em livros ilustrados com qualidade estética, texto e imagem se articulam de modo que ambos colaboram na compreensão da narrativa.
· Novas informações são trazidas sucessivamente pelo texto e pelas imagens.
· A leitura da lógica textual é diferente da leitura da imagem com sua LÓGICA ICONOGRÁFICA - a trajetória do olhar não é linear, ele percorre a ilustração em diversas direções, orientadas pelas características da imagem.
· A ilustração pode usar importantes elementos descritivos que se estivessem no texto escrito, o tornariam longo e pesado.
Na imagem, a descrição da cena ilustrada pode comportar um grande número de detalhes.
A relação entre a imagem e o texto no livro infantil pode ser de repetição e/ou de complementaridade, de acordo com os objetivos do livro e as concepções do ilustrador. Se o livro não tem função pedagógica[1], o que justificaria a repetição do enunciado escrito na imagem, uma boa ilustração deve ser de COMPLEMENTARIDADE (o verbal e o visual se complementam).

3.1 Livros de imagem
· Contam a história através da linguagem visual. Papel principal cabe à ilustração.
· As imagens têm um papel fundamentalmente narrativo - descrição e ação.
· Através da imagem visual, os livros sem texto estimulam o interesse ativo da mente em relação ao objeto. Recorrendo à percepção visual para chegar ao pensamento, os signos visuais, através de suas propriedades, induzem conceitos.
· Linguagem riquíssima em possibilidades - caracterizado pela articulação de imagens, que acabam constituindo um discurso.
· Recursos: vinculados ao discurso cinematográfico, televisivo e às histórias em quadrinhos, pintura - comprometidos com os sistemas expressivos contemporâneos, por sua vez cada vez mais ligados ao texto visual.
· Narrativa fragmentada - o autor deve ser muito claro e preciso nos elos de encadeamento, deixando bem visível a ligação com o quadro anterior.
· Há detalhes na história que devem se imaginados pelo leitor - ordenação das seqüências e cortes deve ter uma boa organização.

A técnica de simultaneidade e os indícios gerais indicando a passagem do tempo e as mudanças no espaço são extremamente importantes, destacando-se o gestual das personagens e tudo o que indica a AÇÃO E MOVIMENTO, para que a história seja bem compreendida.

3.2 Livros com textos breves combinados com abundantes imagens
· Texto formado apenas por algumas frases – a ilustração: papel relevante na estruturação da narrativa
· Privilegiam a VISUALIDADE, mas integram palavras à história
· Leitores em processo de alfabetização
· Relação entre os signos visuais e verbais: o verbal explicita elos em complementação ao visual e este transmite informações que complementam o verbal.

A ilustração deve ser cuidadosamente analisada em suas seqüências e cenas, na representação das personagens e suas expressões, nos detalhes do espaço e do tempo, para que as crianças possam acompanhar e dominar plenamente a história e as formas em que estão narradas.

LUCIANA EM CASA DA VOVÓ, de Fernanda Lopes de Almeida e ilustração de Agostinho Gisé. O texto orienta a leitura da imagem, apresentando informações que o situam no tempo e no espaço com precisão. A ilustração cumpre a função de criar os espaços em que se passa a história, acrescentando detalhes, outros planos em simultaneidade, o gestual das personagens, a expressão de suas fisionomias, ou seja, aquilo que o texto não diz.

3.3 Livro onde ilustração e texto possuem a mesma importância
· Texto de extensão média.
· Ilustração: colabora com o escrito de formas variadas.
· Texto e imagem: devem FORMAR UM TODO, cada um tem sua importância no livro.
· A ilustração pode introduzir elementos novos que não fazem parte do texto escrito ou que tornam mais claros elementos que apenas com a leitura verbal, a criança não poderia completar.
· A imagem também pode intensificar a atmosfera da história.

COTOVIA, de Lúcia Villares e ilustração de Helena Alexandrino. Embora o texto seja completo, a presença das ilustrações intensifica a atmosfera do relato da Cotovia. Ocorre duas narrativas dentro de um mesmo espaço: verbal e visual.

AVIÃOZINHO DE PAPEL, de Ricardo Azevedo. Presença de imagens poéticas. As imagens acentuam a atmosfera lírica, imaginária do texto escrito. Imagem e texto formam um conjunto indivisível, cada um alimentando o potencial poético do outro.

3.4 A ilustração é menor que o texto escrito
· Texto é o elemento principal da narrativa, em geral longo e mais denso.
· A ilustração areja a página, capta uma cena importante da história ou fixa momentos-chave da narrativa.
· A ilustração informa e completa o texto.
· O ilustrador pode usar vinhetas, cercaduras e fundos de páginas ilustrados ou em cores.

O BORDADO ENCANTADO, de Edmir Perrotti e ilustrações de Helena Alexandrino. As ilustrações nesse livro só acrescentam elementos que ampliam a beleza da prosa. As ilustrações foram colocadas de forma a manter um ritmo visual na distribuição dos desenhos e também sugere detalhes que não constam no texto escrito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Ricardo. Texto e imagem: diálogos e linguagens dentro do livro. Disponível em: http://www .ricardoazevedo.com.br. Acesso em: 28 out. 2004.
BENJAMIN, Walter. A criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984.
BERGER, John. Modos de ver. Trad. Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
BRANDÃO, Ana Lúcia de Oliveira. A trajetória da ilustração do livro infantil no Brasil à luz da sombra da semiótica discursiva. 2002. 154 fs. (Tese de Doutorado – Área: Comunicação e Semiótica). PUC, São Paulo, 2002.
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CAMARGO, Luís. Ilustração do Livro Infantil. Belo Horizonte, MG: Ed. Lê: 1995
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
CORTEZ, Mariana. Palavra e Imagem: diálogo intersemiótico. 195 fs, 2001. (Dissertação de Mestrado – Área: Semiótica e Lingüística Geral). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2001.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil - teoria e prática. 18 ed. SP: Ática, 2003.
DUARTE JR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. 7 ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.
FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
FRANCASTEL, Pierre. Imagem, Visão e Imaginação. Lisboa: Edições 70, 1987.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de Descoberta. São Paulo: Paulinas, 2003.
LAUB, Suzana. Ilustração de livros infantis. Disponível em: http://igler.ig.com.br/home/igler/artigos/ 0,,1631197,00.html. Acesso em: 28 out. 2004.
LINS, Guto. Livro Infantil? Projeto Gráfico, Metodologia, Subjetividade. São Paulo: Rosari, 2002.
_____. “Quando a imagem é soberana”. Revista Design Gráfico, ano 7, nº 64, 2002, p. 42-44.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
NORONHA, Alessandra Paula de. As funções de linguagem e as funções de imagem: o desvendar das obras contemporâneas como construção do objeto novo. 2001. 100 fs. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2001.
PALO, Maria José & OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil, voz de criança, 3 ed. SP: Ática, 2001.7
PORTO, Bruno. “Quando a ilustração faz a ponte entre desenho e design”. Revista Design Gráfico, ano 6, nº 54, 2001, p. 46-47.
[1] Função pedagógica: geralmente ocorre em livros feitos para crianças pequenas, com a função de familiarizá-las com a apreensão da imagem e com aspectos básicos da expressão gráfica. Identifica o desenho da página com o texto lido. FARIA, M. A. (2004: p.41).

SLIDES: CALILA E DIMNA (PARTE 1)





SLIDES: CALILA E DIMNA (PARTE 2)



SLIDES: CALILA E DIMNA (PARTE 3)





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SEMINÁRIO: CHAPEUZINHO VERMELHO

As diversas faces de Chapeuzinho Vermelho

O conto anônimo foi discutido pelo viés psicanalítico por estudantes da USP

Por Adriane Piscitelli

A terceira mesa redonda foi apresentada com as alunas Ana Carolina Sá Teles e Daniela Duarte, além da participação especial da aluna norueguesa Stina Jensen. Fabiana dos Reis Marchiori e Marina Prado Sasao irão debater na próxima semana. As discussões se deram em torno do conto Chapeuzinho Vermelho.
Stina Jensen, aluna norueguesa e estudante da Universidade de São Paulo, abordou a questão dos contos de fada de sua terra natal, Noruega. Explicou o nacionalismo exacerbado presente em tais contos, assim como a presença forte da natureza e a visão da cidade como um lugar pejorativo. A relação demonstrada nesses contos é de importância política, devido à independência do país. Os contos são de histórias que vieram com a questão da oralidade, mas que acabaram se baseando ou se fixando em questões nacionais. São diversos tipos de contos de fadas e muitos deles com criaturas sobrenaturais. A moral e os valores vigentes estão voltados para a questão da pureza do homem, da sua bondade, esperança, tudo isso ligado ao otimismo e à autoconfiança individuais.
Daniela Duarte foi a primeira a apresentar as múltiplas versões da Chapeuzinho Vermelho. Abordou a questão das adaptações para os diversos públicos leitores e épocas. Em Perrault fica a dúvida entre a questão sexual e canibal da palavra “comer”. Nos Irmãos Grimm, aparece o caçador como herói da trama e o lobo que morre agonizando. A aluna também citou várias outras versões nacionais como a de Ângelo Machado, Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará; de Dionísio da Silva, A melhor amiga do lobo; de João de Barro; de Mauricio de Souza, nos quadrinhos; de Guimarães Rosa, Fita verde no cabelo; de Chico Buarque de Hollanda, Chapeuzinho Amarelo, entre outras.
Ana Carolina Sá Teles mostrou a questão psicanalítica da Chapeuzinho Vermelho entre Perrault e os Irmãos Grimm, interpretada por Bruno Bettelheim, psicanalista que segue a linha de Freud. Em Perrault, a versão que leva o nome de Capinha Vermelha, foi escrita para a corte de Versailles em 1697, há uma importância histórica em sua obra, pois ele sistematiza uma moral criada, a de que as crianças não podem sair do caminho correto. Já nos Irmãos Grimm, versão de 1812, a Chapeuzinho é realmente enganada, porque a mãe adverte a menina para que não saia do caminho. O questionamento aqui não se dá no âmbito sexual, como em Perrault.
A aluna apresenta a visão de Bettelheim nos contos, que resumem que a questão fantasiosa é justamente para discutir os problemas das crianças; os contos acabam evocando problemas existenciais para a criança-leitora, que escolhe entre o caminho que preferir, não há apontamentos entre o certo e o errado. Para Bettelheim, as obras lidam com a integração da personalidade das crianças (id, ego e super-ego). Teles apresenta que o psicanalista prioriza a versão dos Irmãos Grimm.
Ao final, a aluna Juliana Pádua nos mostrou as ilustrações de Susanne Janssen no livro dos Irmãos Grimm e a denotação sexual dos símbolos fálicos presentes nos desenhos, tais como o chapéu que lembra ao mesmo tempo uma maçã e o lírio-da-paz que denotam sexualidade. Além da Chapeuzinho aparecer de batom na maioria das vezes.
Na próxima semana, Fabiana Marchiori e Marina Sasao darão continuidade à questão da Chapeuzinho Vermelho, além de estudarmos a questão da mulher na Condessa de Ségür.




SEMINÁRIO: IRMÃOS GRIMM - ANDERSEN

Perrault, os Irmãos Grimm e Andersen são tema do segundo debate


O tema da segunda mesa redonda foi a transfiguração literária dos valores ideológicos românticos nos contos dos Irmãos Grimm e do dinamarquês Andersen

Por Adriane Piscitelli

A segunda mesa redonda da aula de Literatura Infantil e Linguagens do Imaginário na USP ficou em torno de Charles Perrault (1628 - 1703), dos Irmãos Grimm – Jacob Grimm (1785 – 1863) e Wilhelm Karl Grimm (1786 – 1859) e de Hans Christian Andersen (1805 – 1875), abordados pelos estudantes Monise Fernandes Picanço, Sandra Correia Lima Leal e Wesley Camargo da Silva.
Monise Picanço foi a primeira a apresentar; como aluna do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, ela abordou questões teóricas sobre a obra de Perrault. Tratou do contexto histórico da época da escrita, como sendo o absolutismo e o classicismo. Além de comentar a respeito dos contos anônimos da tradição oral, como Chapeuzinho Vermelho e A Bela Adormecida.
Picanço citou teóricos que discutem o caráter cristão presente nos contos de Perrault, porém ela discorda absolutamente dessa visão, para tanto, comenta o rito de antropofagia em Chapeuzinho Vermelho, sendo muito mais pagão do que de moral cristã. Ela comenta que os Irmãos Grimm abolem a abordagem negativa de Perrault. Nos Irmãos Grimm existe o “felizes para sempre”, já em Perrault, n’A Bela Adormecida, a rainha quase come os filhos e a própria bela.
A transculturação também foi mencionada como caráter da obra de Perrault, ou seja, as narrativas são recortadas e retecidas pela contemporaneidade. Ao final, a aluna ilustrou seu debate com uma série de imagens da coleção The Briar Rose de Edward Burne-Jones, artista do século XIX que propõe a visão romântica d’A Bela Adormecida nas artes plásticas.
Sandra Leal apresentou, tanto nos Irmãos Grimm, quanto em Andersen, os valores ideológicos românticos transfigurados literariamente. Nos Irmãos Grimm, a criança é tida “como centro de uma sociedade patriarcal”, ressaltam-se ideais românticos, como o predomínio de valores humanistas e de valores cristãos. Leal utiliza como exemplo as obras João e Maria, O pequeno polegar, Branca como a neve, Cinderela e Chapeuzinho Vermelho. Em Andersen, ela destaca as mesmas características dos valores românticos, porém sob o contexto da expansão industrial e a nova classe burguesa ascendente, para isso, cita as obras Pequena vendedora de fósforos, Soldadinho de chumbo, A pastora e o limpador de chaminés, O velho lampião da rua e a Sereiazinha. Os valores românticos presentes nos contos são, entre outros, a defesa dos direitos iguais, a ânsia pela expansão do “eu”, os valores cristãos e a exaltação das raízes do povo.
O terceiro e último aluno a discutir seus pontos foi Wesley da Silva, aprofundando a somatória do conteúdo e da forma de obras que Picanço e Leal comentaram. Para tanto, Silva se baseou em autores como André Jolles e o Professor José Nicolau Gregorin Filho, nas respectivas obras, Forma simples e A roupa infantil da literatura. Esta obra apresenta um contrato entre o enunciador (escritor) e o enunciatário (criança), já aquela, discorre a respeito da construção do texto a partir da estética, do contexto histórico e da morfologia.
Silva comentou a respeito dos símbolos e figuras, como material folclórico nos Irmãos Grimm, e o cunho popular dos contos de Perrault. Já em Andersen, há a soma do real com o mágico, tornando a característica principal dos contos a sobrenaturalidade dos mitos. O aluno diferenciou a questão do fantástico e do maravilhoso, com base em Todorov, comentando que o maravilhoso começou a se inserir no universo infantil a partir do século XVIII com a visão racionalista do mundo dos adultos. Ao final, cita Nelly Novaes Coelho que resume o “símbolo como concretização de uma idéia abstrata”, além de falar do propósito educacional do conto, como referência de La Fontaine.
Na próxima semana veremos o caráter psicanalítico nas análises de Chapeuzinho Vermelho.

SEMINÁRIO: PANCHATANTRA - CALILA E DIMNA - AS MIL E UMA NOITES

Alunos da USP discutem Panchatantra, Calila e Dimna e As mil e uma noites

As fontes inaugurais foram assunto do primeiro debate promovido pela disciplina Literatura Infantil e Linguagens do Imaginário da USP

Por Adriane Piscitelli

Começaram as inscrições para o ciclo de debates movido em torno da Literatura Infantil e Linguagens do Imaginário. O evento é produzido pelos alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo junto com a Professora Maria Zilda da Cunha, do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da faculdade.
Na última quinta-feira, 3 de abril, as alunas Cristiane Penha, Luana Souza, Patricia Rodrigues e Sabrina Aragão apresentaram a primeira mesa redonda com discussões a respeito das fontes inaugurais da Literatura Infantil. Os seminários foram seguidos de debates com os estudantes Aline Tafner e Danilo Faloppa.
A primeira apresentação foi feita pela estudante Luana Souza, em que discorreu sobre a obra Panchatantra, da qual deriva Calila e Dimna, considerada a fonte mais antiga da literatura infantil. Logo no início, foi mencionada a escritora e Professora Titular da USP em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, Lucia Pimentel Góes, que em suas críticas literárias já expôs a respeito da lição de moral presente em Panchatantra. Segundo Souza, Panchatantra é a antiga coleção de fábulas indianas, dividida em cinco tratados, que na verdade são cinco livros apresentados em sânscrito pelo brâmane Vishnuchaman. A obra possui o caráter de fábula, em que as narrativas são feitas com animais, contendo normas de conduta política para o príncipe e uma lição de moral ao final de cada história.
Já Calila e Dimna, adaptada para o árabe pelo persa Ibn Al-Mukafa por volta do século VIII d.C., são, na realidade, os nomes dos chacais da fábula que inicia o Panchatantra. O livro remete às obras do Panchatantra, de Mahabharata e de Vischno Sarna. São 14 livros que faz um encadeamento de fábulas, tratando da sabedoria humana.
Cristiane Penha examinou mais profundamente Calila e Dimna. Ela apresentou de forma bem clara e atual, quando associou que a obra se compõe como "hipertextos", ou seja, uma história remete a outra e assim por diante. Penha discutiu o propósito do livro, em que a eloqüência, a sabedoria e a diversão constituem a intenção primeira das fábulas.
O ponto alto da discussão foi a apresentação das mil faces d’As mil e uma noites, exposta pela aluna Sabrina Aragão. Sua exibição contou com a comparação da obra com o cinema. Aragão mostrou dois filmes da década de 1940, em que a história é bastante diferente, como, por exemplo, o gênio é uma mulher e se apaixona pelo Aladim. O filme As mil e uma noites (Il fiore delle mille e una notte), de 1974, do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini também é uma releitura da obra original, abordada sob temática erótico-satírica. Por fim, o desenho do Walt Disney, Aladim exibe o protagonista como sendo pobre, órfão e sem condições para trabalhar. Na obra original, por outro lado, Aladim é desobediente, vagabundo e não é órfão.
O segredo d’As mil e uma noites, livro de Michel Gall foi utilizado como fonte para a aluna Patricia Rodrigues em seu debate. Ela enfatizou o fato de todas as obras possuírem três elementos determinantes para sua realização, ou seja, é necessário conter elementos históricos, que contextualizem o momento em que a obra foi escrita; elementos alegóricos, que sinalizem o caráter das personagens envolvidas e, finalmente, elementos ideológicos, que demonstram o ponto de vista do autor.
O debate posterior às apresentações ficou em torno das histórias da Sherazade e da questão da mulher presente tanto em Calila e Dimna, quanto em As mil e uma noites. Aline Tafner comentou a respeito das mulheres adúlteras e não são dignas de confiança que aparecem nas obras acima mencionadas. Ao mesmo tempo em que Sherazade é diferente de todas essas mulheres, confirmando que "quando as mulheres querem alguma coisa, não há nada que as impeça". Danilo Faloppa comentou o livro de Paulo Sérgio Vasconcellos sobre As mil e uma noites, em que há apenas uma história, enquanto no livro do Professor Mamede Mustafa Jarouche, traduzido do árabe para o português, há quatro contos.
A primeira mesa de discussões foi um sucesso, aguardaremos as próximas às quintas-feiras com os alunos da Professora Maria Zilda.