sábado, 10 de maio de 2008

SEMINÁRIO: O VISUAL NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL


Diálogo entre o verbal e visual

Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini

“A boa ilustração representa o visual e também dialoga com o texto, questiona, reformula, sintetiza e acrescenta ao que já foi escrito, possibilitando ao pequeno leitor uma leitura rica, completa” (PORTO, 2001: p. 47).



TEXTO E A IMAGEM: devem conversar o tempo todo, o diálogo deve ser constante para haver uma unidade. Um complementa o outro, um destaca o outro. A ilustração conversa com a linguagem verbal apresentando diferentes possibilidades de leitura de um mesmo texto, é outra a forma de fruição dos seus significados, sugerindo, clareando, instigando, apontando, indo além. “A ilustração vai ser responsável pelo tom da história” (ODILON MORAES, 2007). A imagem deve falar ao leitor, também suscitando as emoções carregadas na narrativa.

A imagem desperta perguntas no leitor, questionamentos que podem se tornar o ponto de partida para novas leituras, que podem significar um alargamento do campo de consciência: do indivíduo, do meio, da cultura, da história.

ILUSTRAÇÃO: valor indiscutível no livro infantil contemporâneo.
Desempenha vários papéis no diálogo com o texto verbal:
· estímulo à imaginação
· despertar para a experiência ético-estética
· desenvolvimento do raciocínio lógico
· leitura de um código não-verbal, a imagem, como exercício de leitura do próprio mundo

1. Ilustração?
O conhecimento do mundo advém de um processo onde o sentir e o simbolizar se articulam e se completam. O conhecimento dos sentimentos e a sua expressão só podem se dar pelo uso de SÍMBOLOS que não os lingüísticos. E a ARTE é uma das formas que nos leva a conhecer e a expressar os sentimentos. (DUARTE JR., 1988: p. 16)

Na arte nos são apresentados aspectos e maneiras de nos sentirmos no mundo, que a linguagem verbal não pode conceituar. Com a ajuda da arte o homem encontra sentidos que não podem se dar de outra maneira senão por ela própria.

LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ocupa um lugar privilegiado e pode influir sobre a vida afetiva e estética da criança, pois é o encontro entre duas artes: palavra (texto) e imagem (ilustração).

A ilustração não é privilégio dos livros infantis, pois ela aparece desde a Idade Média, na época dos livros manuscritos, sob a forma de ILUMINURAS: Arte de ornar um texto, página, letra capitular com desenhos, arabescos, miniaturas, grafismos diversos.

Ou antes disso, aparece na decoração das PAREDES DE ANTIGOS MOSTEIROS (séc. IV), em cenas do Velho e Novo Testamento:
· conhecidos como os livros para os iletrados
· estes livros ensinavam aos analfabetos a história bíblica
· as imagens podiam ser lidas como se fossem palavras de um livro, e as escrituras eram aprendidas por meio da leitura dessas ilustrações

Séc. XIII: a iconografia bíblica transferiu-se do estuque para vitrais, madeira e pedra.
Início do séc. XIV: as imagens foram reduzidas e reunidas em foram de livro:
· Iluminadores e gravadores começaram a representar as imagens em pergaminho e papel. O texto feito à mão era riquíssimo em linguagem visual e ornamentos.
· O trabalho dos escribas era complementado pelas penas e pincéis dos iluministas.
· “A linguagem escrita era privilégio de uma casta monárquica e religiosa. Para a grande massa só existia a linguagem oral.” (LINS, 2002: p. 19)

Esses LIVROS DE IMAGENS se tornaram muito populares e eram feitos em vários formatos. Conhecidos como “Bibliae pauperum, ou seja Bíblia dos pobres” (MANGUEL, 1997: p. 123).
grandes livros de figuras onde cada página era dividida para receber duas ou mais cenas do Testamento e ficavam abertas sobre um suporte para expor suas imagens aos fiéis.

Se formos um pouco mais longe, podemos lembrar que a imagem é uma das expressões mais antigas do homem, seria interessante pensar nos DESENHOS NAS PAREDES DAS CAVERNAS de Lascaux (França) ou as pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), como narrativas visuais onde os homens transmitiam MENSAGENS, MEDOS, DESEJOS.

Segundo Brandão (2002: p. 5), a ilustração aparece na forma de pinturas em todos os suportes de escrita existentes que pertencem à história da humanidade, confirmando que a existência da ilustração não se encontra presa aos livros. Desde os primórdios da ESCRITA que hoje conhecemos, texto e imagem interagem e coexistem.

“Na evolução da escrita, verbal e visual se complementam, criando padrões estéticos, facilitando a sua reprodução e conseqüentemente a sua compreensão e a comunicação entre os povos” (LINS, 2002: p. 19).

No Egito: como exemplo dessa interação, temos os Livros dos Mortos, que era ilustrado com cenas muito vivas, acompanhando o texto com singular eficácia.
· As imagens desses livros, miniaturas, eram pintadas com cores transparentes. Esses livros eram formados de tramas de fibras do tronco de papiro.
· Nos rolos de papiro, os egípcios escreviam e ilustravam volumes sobre ciências, história, magia e religião - eram ricamente decorados e continham os rituais funerários.

Esses são alguns exemplos da existência da ilustração na nossa história. O DIÁLOGO ENTRE O VERBAL E O VISUAL começa a se fazer presente.

Luis Camargo (1995: p. 28) define ILUSTRAÇÃO como toda imagem que acompanha um texto, pode ser desenho, pintura, fotografia, gráfico.

Definição da palavra ilustração:
1 Ato ou efeito de ilustrar. 2 Esclarecimento, explicação. 3 Breve narrativa, verídica ou imaginária, com que se realça e enfatiza algum ensinamento. 4 Conjunto pessoal de conhecimentos históricos, científicos, artísticos etc. 5 Publicação periódica com estampas. 6 Desenho, gravura ou imagem que acompanha o texto de livro, jornal, revista etc., ilustrando-o. I. divina: inspiração.

“A idéia que se faz da ilustração como explicação ou ornamento parece provir dessas primeiras acepções da palavra”. “... pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, principalmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração seja informar e enfeitar. MAS SERÃO APENAS ESSAS AS FUNÇÕES DA ILUSTRAÇÃO?” (CAMARGO, 1995: p. 30).

Benjamim (1984: p. 55) acredita que por meio da ilustração a criança pode criar um mundo novo, um texto novo, onde VIVENCIA A ESTÓRIA, imagina cenários e situações, e estabelece relações entre a imagem e a palavra escrita.

Para Furnari (apud Góes, 2003: p. 43), a ilustração tem grande importância para a criança:
· como apoio ao aprendizado da leitura verbal
· como linguagem autônoma
· em diálogo com outras linguagens.
· é através do elemento visual que se veicula grande parte da informação.

Literatura infantil e juvenil: meio de informação, de formação e de sensibilização da criança.

“O livro de verdadeira literatura infantil é o encontro de dois artistas, que oferecem à criança uma DUPLA FRUIÇÃO DA ARTE.” (CUNHA, 2003: p. 75)

2. ILUSTRADORES: o que pensam sobre o diálogo verbal e visual
Odilon Moraes:
· Texto e imagem devem conversar o tempo todo: diálogo = unidade
· Um complementa o outro, um destaca o outro.
· A ilustração não existe sem um texto, seja ele explícito ou não.
· “A ilustração acolhe e dá uma casa para uma palavra que ainda não tem forma, ou melhor, possibilita uma infinidade de formas.”
· A ilustração conta uma história e a palavra conta outra, e para haver esse diálogo, ela deve fazer o texto falar, precisa dar voz a ele. O que vai dar vida ao texto, o seu som, vai vir da ilustração, da forma que ela for colocada.
· Ilustração: conduzir a história e dar o ritmo ao texto.

Ricardo Azevedo:
“A meu ver, o ilustrador deve fugir de certas imagens que são só do texto. Por exemplo, jamais desenhar a mulher bonita da história mas sim um detalhe dela, seu pé, sua orelha, seu quarto, sua sombra. Desenhá-la em carne e osso é sempre trair a imaginação do leitor”

Thais Linhares:
“O texto comove, diverte, assusta. A imagem deve falar ao leitor, também suscitando as emoções carregadas na narrativa”.

Mariana Massarani: a ilustração conversa com a linguagem verbal apresentando diferentes possibilidades de leitura de um mesmo texto. “O ilustrador é um co-autor”.

Ivan Zigg: “Busco sempre uma harmonia entre texto e ilustração, para que haja uma conversa entre eles”.
· Os ilustradores destacaram a importância de ser um bom leitor, assim podem ter uma visão ampla do texto, sem delimitar a história.
· Sua forma de percepção do texto, das imagens, do mundo, reflete diretamente nas ilustrações que desenvolvem, na maneira como se expressam, enriquecendo o universo de símbolos que aparecem em uma determinada história.
· É a busca do novo, do inédito, a exploração dos significados implícitos, a sugestão e não imagens óbvias, sempre despertando a imaginação do leitor, permitindo que esta flua durante a leitura das ilustrações.

3. Livros ilustrados
A ilustração pode aparecer de diversas maneiras dentro do livro infantil:
· Em livros ilustrados com qualidade estética, texto e imagem se articulam de modo que ambos colaboram na compreensão da narrativa.
· Novas informações são trazidas sucessivamente pelo texto e pelas imagens.
· A leitura da lógica textual é diferente da leitura da imagem com sua LÓGICA ICONOGRÁFICA - a trajetória do olhar não é linear, ele percorre a ilustração em diversas direções, orientadas pelas características da imagem.
· A ilustração pode usar importantes elementos descritivos que se estivessem no texto escrito, o tornariam longo e pesado.
Na imagem, a descrição da cena ilustrada pode comportar um grande número de detalhes.
A relação entre a imagem e o texto no livro infantil pode ser de repetição e/ou de complementaridade, de acordo com os objetivos do livro e as concepções do ilustrador. Se o livro não tem função pedagógica[1], o que justificaria a repetição do enunciado escrito na imagem, uma boa ilustração deve ser de COMPLEMENTARIDADE (o verbal e o visual se complementam).

3.1 Livros de imagem
· Contam a história através da linguagem visual. Papel principal cabe à ilustração.
· As imagens têm um papel fundamentalmente narrativo - descrição e ação.
· Através da imagem visual, os livros sem texto estimulam o interesse ativo da mente em relação ao objeto. Recorrendo à percepção visual para chegar ao pensamento, os signos visuais, através de suas propriedades, induzem conceitos.
· Linguagem riquíssima em possibilidades - caracterizado pela articulação de imagens, que acabam constituindo um discurso.
· Recursos: vinculados ao discurso cinematográfico, televisivo e às histórias em quadrinhos, pintura - comprometidos com os sistemas expressivos contemporâneos, por sua vez cada vez mais ligados ao texto visual.
· Narrativa fragmentada - o autor deve ser muito claro e preciso nos elos de encadeamento, deixando bem visível a ligação com o quadro anterior.
· Há detalhes na história que devem se imaginados pelo leitor - ordenação das seqüências e cortes deve ter uma boa organização.

A técnica de simultaneidade e os indícios gerais indicando a passagem do tempo e as mudanças no espaço são extremamente importantes, destacando-se o gestual das personagens e tudo o que indica a AÇÃO E MOVIMENTO, para que a história seja bem compreendida.

3.2 Livros com textos breves combinados com abundantes imagens
· Texto formado apenas por algumas frases – a ilustração: papel relevante na estruturação da narrativa
· Privilegiam a VISUALIDADE, mas integram palavras à história
· Leitores em processo de alfabetização
· Relação entre os signos visuais e verbais: o verbal explicita elos em complementação ao visual e este transmite informações que complementam o verbal.

A ilustração deve ser cuidadosamente analisada em suas seqüências e cenas, na representação das personagens e suas expressões, nos detalhes do espaço e do tempo, para que as crianças possam acompanhar e dominar plenamente a história e as formas em que estão narradas.

LUCIANA EM CASA DA VOVÓ, de Fernanda Lopes de Almeida e ilustração de Agostinho Gisé. O texto orienta a leitura da imagem, apresentando informações que o situam no tempo e no espaço com precisão. A ilustração cumpre a função de criar os espaços em que se passa a história, acrescentando detalhes, outros planos em simultaneidade, o gestual das personagens, a expressão de suas fisionomias, ou seja, aquilo que o texto não diz.

3.3 Livro onde ilustração e texto possuem a mesma importância
· Texto de extensão média.
· Ilustração: colabora com o escrito de formas variadas.
· Texto e imagem: devem FORMAR UM TODO, cada um tem sua importância no livro.
· A ilustração pode introduzir elementos novos que não fazem parte do texto escrito ou que tornam mais claros elementos que apenas com a leitura verbal, a criança não poderia completar.
· A imagem também pode intensificar a atmosfera da história.

COTOVIA, de Lúcia Villares e ilustração de Helena Alexandrino. Embora o texto seja completo, a presença das ilustrações intensifica a atmosfera do relato da Cotovia. Ocorre duas narrativas dentro de um mesmo espaço: verbal e visual.

AVIÃOZINHO DE PAPEL, de Ricardo Azevedo. Presença de imagens poéticas. As imagens acentuam a atmosfera lírica, imaginária do texto escrito. Imagem e texto formam um conjunto indivisível, cada um alimentando o potencial poético do outro.

3.4 A ilustração é menor que o texto escrito
· Texto é o elemento principal da narrativa, em geral longo e mais denso.
· A ilustração areja a página, capta uma cena importante da história ou fixa momentos-chave da narrativa.
· A ilustração informa e completa o texto.
· O ilustrador pode usar vinhetas, cercaduras e fundos de páginas ilustrados ou em cores.

O BORDADO ENCANTADO, de Edmir Perrotti e ilustrações de Helena Alexandrino. As ilustrações nesse livro só acrescentam elementos que ampliam a beleza da prosa. As ilustrações foram colocadas de forma a manter um ritmo visual na distribuição dos desenhos e também sugere detalhes que não constam no texto escrito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Ricardo. Texto e imagem: diálogos e linguagens dentro do livro. Disponível em: http://www .ricardoazevedo.com.br. Acesso em: 28 out. 2004.
BENJAMIN, Walter. A criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984.
BERGER, John. Modos de ver. Trad. Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
BRANDÃO, Ana Lúcia de Oliveira. A trajetória da ilustração do livro infantil no Brasil à luz da sombra da semiótica discursiva. 2002. 154 fs. (Tese de Doutorado – Área: Comunicação e Semiótica). PUC, São Paulo, 2002.
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CAMARGO, Luís. Ilustração do Livro Infantil. Belo Horizonte, MG: Ed. Lê: 1995
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
CORTEZ, Mariana. Palavra e Imagem: diálogo intersemiótico. 195 fs, 2001. (Dissertação de Mestrado – Área: Semiótica e Lingüística Geral). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2001.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil - teoria e prática. 18 ed. SP: Ática, 2003.
DUARTE JR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. 7 ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.
FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
FRANCASTEL, Pierre. Imagem, Visão e Imaginação. Lisboa: Edições 70, 1987.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de Descoberta. São Paulo: Paulinas, 2003.
LAUB, Suzana. Ilustração de livros infantis. Disponível em: http://igler.ig.com.br/home/igler/artigos/ 0,,1631197,00.html. Acesso em: 28 out. 2004.
LINS, Guto. Livro Infantil? Projeto Gráfico, Metodologia, Subjetividade. São Paulo: Rosari, 2002.
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MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
NORONHA, Alessandra Paula de. As funções de linguagem e as funções de imagem: o desvendar das obras contemporâneas como construção do objeto novo. 2001. 100 fs. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2001.
PALO, Maria José & OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil, voz de criança, 3 ed. SP: Ática, 2001.7
PORTO, Bruno. “Quando a ilustração faz a ponte entre desenho e design”. Revista Design Gráfico, ano 6, nº 54, 2001, p. 46-47.
[1] Função pedagógica: geralmente ocorre em livros feitos para crianças pequenas, com a função de familiarizá-las com a apreensão da imagem e com aspectos básicos da expressão gráfica. Identifica o desenho da página com o texto lido. FARIA, M. A. (2004: p.41).

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