terça-feira, 17 de junho de 2008

SEMINÁRIO: AS MIL E UMA NOITES


Por Aline Moreira da Silva Tafner

A origem de uma literatura voltada para crianças com o intuito de muito mais do que entretê-las, mas de educá-las, remonta de uma coletânea hindu denominada Calila e Dimna (Kalila wa Dimna). Esta obra é derivada de três livros sagrados: o Panchatantra, o Mahabharata e o Vischnosarna. As histórias contidas nesses livros, eram usadas pelos primeiros pregadores budistas para disseminar a doutrina de Buda, assim como as parábolas de Cristo servem para disseminar a moral cristã (Alves, 2007).
Calila e Dimna foi escrita originalmente em sânscrito e graças à versão árabe do século VIII d.C. espalhou-se pela Europa e posteriormente pela América. No prefácio do livro (Challita,s/d, pp. xiii) podemos encontrar alguns mitos sobre a origem e a descoberta das histórias de Calila e Dimna. Aquela que considero mais interessante é contada por Al-Farissi e resumidamente é a seguinte:

No século VI a.C. a Índia era governada por um rei chamado Dabshalim, considerado um déspota sanguinário. Báidaba, um grande filósofo e chefe dos brâmanes, revoltou-se com os mandos e desmandos do rei, e convidou-lhe a tomar o caminho da eqüidade, traçado pelos governantes anteriores. O rei ficou furioso e mandou prender o filósofo. Porém, o rei impressionou-se com a vasta cultura de Báidaba e pediu que o filósofo escrevesse um livro sobre que condutas um soberano deveria adotar para fazer a felicidade de seus súditos e, ao menos tempo, defender-se do inimigo. Deveria ser um livro que ensinasse toda a sabedoria humana. O filósofo, com a ajuda de seus discípulos escreveu Calila e Dimna. O rei, admirado pelo conteúdo do livro, desceu de seu trono e convidou o filósofo a ocupá-lo. Este, porém, declinou o convite. O livro foi zelosamente guardado e passado de governante a governante até que, um médico, Barzauaih, que buscava um remédio para ressuscitar os mortos (uma metáfora que representava os ignorantes), conseguiu uma cópia.

Calilia e Dimna são os nomes de dois chacais, vassalos do leão, rei da comarca, que muito perturbou-se com o aparecimento de um boi em seu reino. Calila e Dimna, observando a atitude do rei que se recolheu na sua toca, começam a contar histórias recheadas de sabedoria política. Os provérbios são presença marcante neste livro, que através de uma linguagem popular e facilmente memorizáveis, transmitem uma moral e uma norma de conduta.
Também com um intuito de transmitir uma moral e norma de conduta temos as histórias das Mil e Uma Noites, que ocupam um lugar igualmente importante na história da literatura infantil. Tanto a versão árabe de Kalila wa Dimna, quanto as Mil e Uma Noites, apresentam recursos estilísticos semelhantes aos do Panchatantra: a presença do em árabe se chama “matal”, que pode ser traduzido como “paradigma” ou “história exemplar”(Jarouche, 2005 pp.21); além disso temos a existência de uma história central na qual estão inseridas histórias secundárias e exemplares (Fujikura. s/d). Jarouche (2005 pp. 22) define o que são “histórias exemplares”: “Podem ser consideradas ‘histórias exemplares’ as que, baseando-se num sistema de metáforas e analogias que mantêm uma relação de espelho com seu contexto de enunciação, têm a função de mover alguém a praticar determinada ação ou então demovê-lo de praticá-la. As histórias exemplares são um discurso de autoridade e pretendem provar que a inobservância de suas proposições resulta em prejuízo (...)”.
A história central das Mil e Uma noites conta como Sheherazade começou a narrativa das histórias que dão o título ao livro, que segundo Jarouche (2005 pp. 9) “são fábulas de terror e de piedade, de amor e de ódio, de medos e de paixões desenfreadas, de atitudes generosas e de comportamentos cruéis, de delicadeza e de brutalidade”.

As Mil e Uma Noites, Calila e Dimna e a imagem da mulher:
Tanto na história central das Mil e Uma Noites como em alguns contos deste mesmo livro e de Calila e Dimna, podemos notar a colocação da mulher num local bem peculiar. Para desenvolver melhor esse tópico, retomaremos, resumidamente, a história de como Sheherazade começou a contar suas tão famosas histórias.
Conta-se que em tempos remotos, havia dois reis irmãos: Shahriár e Shahzamam. Após permanecer 10 anos sem encontrar o irmão, Shahriár manda seu vizir - pai de Shehrazade e Dunizarde – ir ao encontro do irmão e trazê-lo, para matarem a saudades. Shahzamam aceitou imediatamente o convite do irmão. No dia da viagem, foi visitar o vizir que estava instalado nas cercanias da cidade e com ele ficou até mais tarde. Retornou ao seu palácio para despedir-se de sua esposa e a encontrou deitada na cama abraçada ao rapaz da cozinha (na versão egípcia, consta que era um escravo negro). Shahzamam tira uma importante conclusão: “Não é mesmo possível confiar em mulheres” (Jarouche, 2005 pp. 40). Possuído por uma cólera terrível, o rei matou ambos e os atirou na vala que circundava o palácio. Em seguida, voltou para onde se encontrava o vizir e partiu rumo ao reino do irmão.
Ao chegar, Shahzamam ficou instalado num palácio de hóspedes cujas janelas davam para o jardim e o palácio do irmão. Shahzamam passava todo o dia com o irmão e ao anoitecer, recolhia-se ao seu palácio para remoer seu sofrimento por ter sido traído pela esposa e mortificava-se pensando: “O que me ocorreu não ocorreu a mais ninguém” (ibid, pp. 41). Parou de comer e a palidez tomou conta de sua face.
A mudança do irmão não passou despercebida por Shahriár que supôs tratar-se da falta que Shahzamam sentia dos seus e do seu reino. Convidou-o, então para uma caçada, mas Shahzamam declinou o convite e Shahriár partiu sozinho. Todos no palácio pensavam que Shahzamam havia viajado. Este passava seus dias olhando pela janela até que certa vez, viu uma porta do palácio de seu irmão abrir-se e dela saíram sua cunhada (que rebolava) e 20 criadas: 10 brancas e 10 negras. Ao chegarem ao sopé do palácio de Shahzamam, todas tiraram as roupas e ele pôde ver que na verdade eram 10 criadas brancas (concubinas de Shahriár) e 10 escravos negros. Eles se agarravam enquanto a cunhada chamava por um escravo negro que rapidamente pulou da árvore e a possuiu até o meio-dia. Depois todos se lavaram, vestiram-se e retornaram ao interior do palácio, enquanto o amante da cunhada pulou o muro e foi embora. Shahzamam libertou-se das suas aflições ao presenciar o que ocorrera, pois constatou que seu irmão tinha uma sorte pior do que a dele. Voltou a se alimentar e as cores voltaram ao seu rosto.
Quando voltou da caçada, Shahriár notou a mudança do irmão e quis saber a qualquer custo o que acontecera para ter feito Shahzamam debilitar-se e o que o fizera recuperar o viço. Shahzaman pede ao irmão que não o obrigue a relatar o que aconteceu na sua ausência, mas Shahriár lhe diz que era imperioso que o irmão lhe contasse. Então Shahzamam lhe conta as “perfídias femininas” (ibid, pp. 44) de sua mulher, de sua cunhada e suas concubinas. Shahriár fica encolerizado e diz que só acreditaria vendo. Então ele e o irmão forjam uma nova caçada e ambos ficam escondidos observando a movimentação do jardim. Quando o dia amanheceu eles viram a cena contada por Shahzamam se repetir. Shahriár abandona seu reino na companhia de seu irmão, dizendo só regressar quando encontrasse alguém com uma sorte pior do que a dele.
Um dia, enquanto caminhavam discutindo sobre as desgraças que lhes sucederam, ouviram um brado violentíssimo vindo do mar que se fendeu, dele saindo uma coluna negra que cresceu até os céus. Muito assustados os dois irmãos esconderam-se no alto de uma árvore e viram um ifrit sair das águas carregando na cabeça um baú de vidro com quatro cadeados de aço. O ifrit depositou o baú no pé da árvore onde estavam os irmãos, abriu-o e dele saiu uma formosa mulher a quem o ifrit disse: “Ó senhora de todas as mulheres livres, a quem seqüestrei na noite de seu casamento, eu gostaria agora de dormir um pouco” (Ibid, pp. 47). Ela sentou-se e o ifrit deitou-se depositando sua cabeça nas pernas da jovem. Então a jovem esperou o ifrit dormir, olhou para cima e avistou os dois irmãos na copa da árvore. Ordenou-lhes, através de códigos, que descessem sob a ameaça de acordar o ifrit que os mataria. Os dois obedeceram. A jovem ordenou que os dois a possuíssem, também sob a ameaça de acordar o ifrit. Os dois, apavorados, fizeram o que a mulher disse e , esta, ao final, pediu que cada um lhe desse um anel, os quais ela depositou num saco onde já havia outros 98 anéis (570, na versão egípcia), todos de homens que a possuíram em circunstâncias semelhantes. Disse aos irmãos que o ifrit não sabia que não se pode escapar do Destino e nem que, “quando uma mulher deseja alguma coisa, ninguém pode impedi-la” (ibid, pp. 48). Os irmãos partiram e então Shahriár disse ao irmão que poderiam regressar ao seu reino, pois o ifrit possuía uma sorte pior do que a deles.
De volta ao reino, Shahriár exigiu que seu vizir matasse sua esposa e ele mesmo se encarregou de matar suas concubinas. Decidiu que não ficaria casado por mais que uma noite, mandando sua esposa na manhã seguinte às núpcias, para manter-se a salvo da perversidade e perfídia femininas. Shahzamam voltou ao reino e Shahriár casou-se com a jovem filha de um nobre. Isso permaneceu por um tempo até que as jovens começaram a escassear. Então, Sheherazade, filha do vizir, diz ao pai que gostaria de casar-se com o rei para salvar as mulheres do reino desta sina terrível. O pai, a contragosto, casa a filha com Shahriár. Sheherazade, na noite de núpcias, pede ao rei que lhe traga sua irmã para que possa despedir-se, pois ela é ainda muito pequena. O rei acata ao desejo da sua esposa e quando Dunizarde chega aos aposentos da Irã, pede que esta lhe conte uma bela história e Sheherazade começa suas narrativas que se estenderão por mil e uma noites.

A história central das Mil e Uma Noites, assim como diversos contos da obra completa, é recheada de elementos eróticos. A versão de Galland, publicada em 1704 possuía apenas 350 histórias, pois aquelas consideradas impróprias pela moral da época, incluindo as que apresentavam erotização, foram censuradas (Alves, 2007). Notar que a mulher presente nos contos de Sheherazade e Calila e Dimna são sensuais e provocantes não acrescenta muito, porém é extremamente curioso notar qual o uso que fazem dessa sensualidade e, do ponto de vista moral, em qual lugar são colocadas.
As duas obras em questão são compostas por histórias que têm um caráter formador e pedagógico, portanto não se pode ignorar uma suposta mensagem sobre as mulheres passada por essas duas obras. Além da história central das Mil e Uma Noites, temos outras histórias com personagens femininos, que não são, digamos, um exemplo dos bons costumes para os códigos morais mais rígidos. No primeiro volume das Mil e Uma Noites (Jarouche, 2005), podemos destacar as seguintes histórias: “O Rei das Ilhas Negras e sua Esposa” (pp. 99), “O Carregador e as Três Jovens de Bagdá” (pp. 110). Em Calila e Dimna (Al-Mukafa, s/d), temos uma mulher semelhante a das histórias das Mil e Uma Noites nos contos: “O Eremita, O Ladrão, A Raposa e a Mulher do Sapateiro” (pp. 15); “A mulher, o pintor e o escravo” (pp. 55) e o “Carpinteiro enganado pela esposa” (pp. 104).
Tais mulheres se caracterizam por uma extrema sensualidade e astúcia, que as levam a cometer atos condenáveis pela charia (lei islâmica – regras derivadas do Alcorão) (Araújo, s/d). Na história central das Mil e Uma noites, a mulher de Shahzaman, a esposa de Shahriár, suas concubinas e a jovem seqüestrada pelo ifrit cometeram o adultério. As esposas dos reis e as concubinas foram mortas evidenciando um aspecto importante contido nas obras: como se fazia justiça na época. Na Arábia pré-islâmica, a justiça era feita através da Lei de Talião e depois foi substituída pela charia. No Alcorão o adultério deve ser punido fisicamente (lapidação e flagelos)e no caso da mulher a punição é mais severa.
Fujikura (s/d) faz um levantamento dos provérbios contidos em Calila e Dimna e muito interessante foi achar aqueles que falam especificamente das mulheres:
“Quando se fala com homem se olha nos olhos, com a mulher se olha na boca”.
“Querer matar o amigo por causa de mulher não é das obras que a Deus apraz.”
“As mulheres não merecem que se faça traição por elas – e o homem deve fiar-se muito pouco nelas.”
“Não confie no céu de março, mesmo que ele ria; não confie na mulher, mesmo que ela chore.”
“O amor é a ilusão de que uma mulher é diferente das outras.”
“Dizem que a prata se prova no fogo; os amigos, em sua lealdade em dar e receber; a força do animal na carga pesada; mas as mulheres… não há com que se possa provar.”
“Os reis, em sua pouca verdade e lealdade para com seus vassalos e não se preocupando se os perdem, são como a mulher que, se deixa um, logo vem outro no lugar”.
“A mulher não é senão pelo marido.”
“Três coisas são inúteis: rio que não tem água; terra que não tem rei; mulher que não tem marido.”
“Três são os que devem ser escarnecidos: o que se gaba de ser corajoso; o que luta mas não apresenta sinal de ferida; o que finge saber a lei e se diz religioso, mas é corpulento e pescoçudo; a solteira que zomba da casada; o que fala do que já foi feito.”
“Malandro é o sapo que casa e leva a leva a mulher para morar no brejo.”
Ao ler os provérbios acima formamos uma imagem das mulheres como fofoqueiras, voluntariosas, caprichosas, não confiáveis e indignas de qualquer sacrifício.
Sheherazad, através de sua astúcia e suas palavras acabada assumindo um papel diferente das mulheres já citadas. Ela assume uma postura de redentora determinada; e neste aspecto, a frase dita pela jovem seqüestrada pelo ifrit se aplica: “quando uma mulher deseja alguma coisa, ninguém pode impedi-la” (Jarouche, 2005 pp. 48). Sheherazade conseguiu não só convencer seu pai a casá-la com o cruel rei Shahriár, como evitou que este a matasse, como fez a tantas outras mulheres. Ela utilizou suas palavras e sua beleza para negociar sua vida junto ao rei. Com suas histórias, a heroína acalmou a cólera de Shariár e libertou as jovens que seriam condenadas pelo ressentimento do rei. Se lermos por outro prisma, Sheherazade educou o rei que matava barbaramente jovens, amargurado pelo que lhe aconteceu. Desta forma, a princesa acaba se aproximando de um papel de mãe.
Haddad (s/d) considera que, de certa forma, Sheherazade submetia o rei a uma espécie de psicanálise peculiar: ao invés do rei ter que falar era ela quem falava. Suas histórias não eram ingênuas, continham passagens as quais diziam respeito a situações que o próprio rei poderia identificar-se e elaborar sua raiva. O autor ainda sugere que psicanalistas meditem sobre essa nova técnica. Safra (1984) apresenta seu trabalho de mestrado no qual fazia algo muito semelhante à Sheherazade: a partir de algumas entrevistas com crianças e seus pais, o psicanalista formulava histórias muito parecidas com fábulas infantis sobre o problema apresentado pela criança. Contava essa história aos pais com a seguinte instrução: estes deveriam contar a história para a criança todas as noites e sempre que esta pedisse. Isso deveria se manter até o momento em que a criança dissesse: “Eu sei que vocês estão falando de mim”. Então havia uma mudança de comportamento e o problema era superado.
Haddad (s/d) menciona que personagens femininas redentoras como Sheherazade são extremamente repetitivas e cita os exemplos bíblicos de Ester. Conta a Bíblia que o rei Assuero era casado com a rainha Vasti, que um dia não atendeu à uma ordem do rei. Houve uma grande movimentação no reino, pois se tamanha desobediência chegasse aos ouvidos das outras mulheres, estas desrespeitariam os seus maridos. Segundo o autor a desobediência é considerada meio caminho para o adultério. O rei exige que 1000 virgens se apresentem a ele para que escolha outra rainha. Entre essas moças está Ester que, segundo Haddad seduz o rei e liberta as outras jovens. Outro exemplo bíblico é a história de Judite que com sua beleza e oratória para livrou o seu povo da opressão do rei Holofernes, matando-o.
Na história de Judite encontramos outro elemento semelhante a Sheherazade: o poder de sua oratória. Na religião mulçumana, um aspecto muito importante é o poder da palavra. A própria palavra “Alcorão” significa “palavra de Deus” e foi ao redor desta palavra que o mundo islâmico se organizou. Sheherazade e Judite conseguiram seus objetivos através da palavra e da astúcia. A história de Adão e Eva também é marcada pelo poder de palavra da serpente e de Eva que convenceu o homem a cometer o pecado que condenou toda a humanidade.

Conclusão:
Tanto nas Mil e Uma Noites como em Calila e Dimna existe um forte valor pedagógico. Na primeira obra, o filósofo Báidaba educa o déspota sanguinário, Dabshalim, e seu trabalho é tão bem visto pelo rei que cede seu trono ao sábio, em símbolo ao apreço por aquelas palavras. Sheherazade passa 1001 noites contando histórias para sua irmã Dunizarde que é uma criança; e para um rei que segundo Araújo (s/d) era quase um bárbaro por matar mulheres da maneira como o fazia. É interessante notar que o alvo da doutrinação por essas palavras não são só as crianças. Ariès (1978) ressalta que no século XIII contos de fadas eram também destinados a adultos (pp. 119), e encontravam nas mulheres um público fiel. Tanto o rei Shahriár como o rei Dabshalim tiveram que aprender a cultura islâmica para se tornarem governantes mais sábios.
A educação fornecida aos reis ia além do objetivo de evitar que eles deixassem de ser bárbaros, mas que se tornassem governantes que administrasse seus reinos através das leis do Islã. O mesmo se passou com Antígona que enfrentou Creonte para que este adotasse uma ética como governante: “A tua lei não é a lei dos deuses; apenas um capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos dos deuses. Porque essas não são as leis de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram (...)” (Sófocles, 1977, pp. 22 apud Araújo, s/d).
Sheherazade transformou o espaço íntimo do casal, num espaço onde o lúdico era permitido através de suas narrativas, que possibilitavam outro tipo de prazer. Esse espaço íntimo era usado para educar a irmã e o marido, até certo ponto, transmitindo-lhes os valores e tradições da cultura mulçumana. O fato de Sheherazade educar seu marido a coloca numa posição daquela primeira mulher que tem como tarefa educar as crianças: a mãe. Desta forma, a princesa assumiria dois papéis, o de esposa, que proporciona um prazer sexual e o de mãe que proporciona a entrada do indivíduo na cultura, na civilização. E se pensarmos desta maneira, manter a sua palavra e assassinar Sheherazade aproximaria Shahriár do matricídio que é condenado não só pela charia, mas por qualquer código jurídico.
As duas obras apontam para um aspecto muito importante para a religião mulçumana: o valor da palavra. No fim da tradução de Galland (Araújo, s/d), Shahriár diz que Sheherazade deverá ser olhada como aquela que libertou todas as jovens que deveriam ser imoladas. Mandou ainda que suas histórias fossem escritas em 30 volumes com letras de ouro e guardadas como tesouro real e que deveriam ser transmitidas ao povo e às crianças, para educá-las, assim como ocorreu com ele. O fato das histórias serem escritas com “letras de ouro” e guardadas como um “tesouro real” nos dá a dimensão da importância de seu conteúdo para o povo árabe.
A grande difusão das histórias de Sheherazade e dos dois chacais nos levam a pensar na existência de uma natureza humana, que apesar da época e da cultura possuem questões semelhantes a ponto de obras literárias como estas terem tantas adaptações e chegarem às crianças até os dias de hoje.

Bibliografia:
  • Al-Mukafa, Ibn (s/d) Calila e Dimna (tradução de Mansour Challita). Distribuidora Record. Rio de Janeiro.
  • Alves, Helena Kimie Takara (2007) O conto de Fadas e as Fadas como Inspiração Artítica. Trabalho de conclusão de curso para a obtenção do grau de Bacharelado em Artes Plásticas da UNESP. São Paulo. http://www.ia.unesp.br/area_aluno/%20visuais/tcc_2007/helena_kimie.pdf.
  • Áries, Philippe (1978) História Social da Criança e da Família. Zahar: Rio de Janeiro.
  • Fujikura, Ana Lúcia Carvalho (s/d) Os Provérbios no Libro de Calila e Dimna. www.hottopos.com/collat4/os_proverbios_no_libro_de_calila.htm.
  • Haddad, Jamil Almansur (s/d) Interpretações das Mil e Uma Noites. http://www/. hottopos.com/collat6/jamyl.htm
  • Jarouche, Mamede Mustafa (trad.) (2005) Livro das Mil e Uma Noites. Volume I – ramo sírio. Ed. Globo São Paulo.
  • Safra, G. (1984) Metodo de consulta terapeutica atraves do uso de estorias infantis Tese de Mestrado apresentada ao IPUSP

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