domingo, 15 de junho de 2008

SEMINÁRIO: GRIMM E PERRAULT

Irmãos Grimm e Perrault

Monise F. Picanco

IRMÃOS GRIMM

Seu Contexto, sua Obra:
Este trabalho visa caracterizar o contexto histórico e ideológico da obra de Jacob e Wilhelm Grimm, buscando encontrar explicações para as mudanças feitas pelos Irmãos nos contos europeus por eles registrados e transformados em literatura infantil. Além disso, a explanação destas mudanças será feita a partir de uma comparação das versões do conto “A bela adormecida (no bosque)” de Charles Perrault e dos Irmãos Grimm. Dito isso, passemos a biografia dos Grimm.

Biografia:
Ao contrário do que muitos pensam os Irmãos Grimm não são gêmeos. São filhos de um jurista, nascidos em Hanau, Hessen; sendo que Jacob Ludwig Karl Grimm nasceu em quatro de Janeiro de 1785, enquanto Wilhelm Karl Grimm nasceu em 24 de fevereiro de 1786. Podem não ser gêmeos, mas tiveram suas vidas bastante interligadas e semelhantes. Segundo Sérgio e Giulle da Mata, “De fato, em muitos aspectos suas trajetórias são idênticas, sobretudo no que se refere às escolhas profissionais e intelectuais. Não há duvida de que nos encontramos diante de ‘vidas paralelas’” (DA MATA e DA MATA, p. 7).
Ambos se decidem pelo estudo de Direito, e tem em Savigny um grande ponto de referência intelectual e científica. Ambos tiveram passagem pela Biblioteca de Kassel para depois se tornarem professores na Universidade de Göttingen. Talvez a diferença mais significativa na biografia dos autores tenha sido Wilhelm sofrer durante toda a sua vida de uma saúde debilitada e por este ter, diferentemente do irmão, casado.

As obras mais significativas dos Irmãos Grimm são:
  • 1812: Contos para a infância e doméstico (que sofreu várias edições até 1822).
  • 1819: Primeiro volume da Gramática do Alemão.
  • 1828: Antiguidades jurídicas Alemãs (claramente influenciado por Savigny)
  • 1835: Mitologia Alemã
  • 1848: História da língua alemã.

As influências e a relação com as fontes:
Por mais que se encontre em ambos as mesmas influências, por mais que os irmãos tivessem em si a confluência entre a tradição romântica e historicista alemã, há diferenças quanto às contribuições para a obra literária dos irmãos.
Jacob Grimm é o maior responsável pela influência historicista, dado que é nele que Savigny tem sua maior influência. Savigny é o fundador da Escola histórica do Direito, e, trazendo o historicismo para a ótica jurídica. A base do pensamento de Savigny é Herder, para quem existem diferenças radicais de pensamento nos diferentes períodos históricos. Assim, os conceitos, crenças, sensações mudam profundamente de um período para o outro; o que nos leva a que cada período deve ser único. A busca aqui é pelo “espírito do povo”, a unidade e especificada de cada povo em cada época. O excerto seguinte, parte do estudo de Riche, caracteriza muito bem o Historicismo, assim como a Escola criada por Savigny:
“O historicismo marca o pensamento alemão durante o fim do século XVIII e início do século XIX, configurando, no campo filosófico-jurídico, a denominada escola histórica do Direito, representada magistralmente por Savigny. O contexto em que ocorre seu advento é caracterizado pela grande simpatia com que contava o romantismo na época, inspirando a valorização da tradição, do sentimento e da sensibilidade, em lugar da razão, que não é capaz de tudo gerar. Valoriza, pois, as manifestações espontâneas, devido à individualidade e variedade do próprio homem, demonstrando ao mesmo tempo um enorme amor ao passado, que não apenas explica o presente, mas também gera motivações para o futuro. Dessa forma, a história possuiria um sentido irracional, de modo que não é possível compartilhar do otimismo iluminista, que vê na razão uma força propulsora e transformadora do mundo, capaz de sanar todos os males da humanidade. O Direito aqui é visto não como mero produto racional, mas antes um produto histórico e espontâneo peculiar a cada povo.” (RICHE, p. 1)

Jacob, que fora assistente de Savigny, ao utilizar os contos populares para serem confrontados com o saber filológico e histórico, foi responsável por trazer “para o campo da história da cultura uma contribuição de primeira ordem, ao reconhecer em ‘formas simples’ populares um manancial de pesquisa tão importante quanto à tradição literária da Antiguidade greco-romana” (DA MATA e DA MATA, p. 6), manancial este que possibilitava, na visão do autor, chegar aos fundamentos da identidade germânica.
É o historicismo que marca a relação de Jacob com as fontes. As fontes dos irmãos são, sobretudo, os contos, a literatura popular. Buscaram nestes textos do folclore literário germânico tanto os elementos lingüísticos para fundamentação dos estudos filológicos da língua alemã; quanto à expressão autêntica do espírito da raça germânica. “É na poesia alemã antiga, nas antigas sagas normandas como a ‘Canção dos Nibelungos’ ou o ‘Edda’, que se deve buscar o que há de fundamental na identidade germânica” (DA MATA e DA MATA, p.5). Mas suas fontes foram para além desta poesia. Tiveram contato com a obra de Basile, o Pentamerón, que também haviam sido a fonte de Perrault, no séc. XVII, na França.
Se Jacob é o maior responsável pela influência historicista, Wilhelm é responsável pela influência do Romantismo na obra. O contato deste autor com o Romantismo alemão deu-se cedo, já que sabemos que em 1809 ele desfruta da amizade de Achim Von Arnim. Assim, o romantismo alemão é parte do contexto dos jovens Irmãos Grimm. Ele foi o primeiro movimento do Romantismo, nascido de uma rebelião estética contra a França e sua Idade das Luzes. Deram-se as costas às idéias racionalistas surgidas na França do séc. XVIII, em uma Alemanha ainda não unificada e sob o domínio administrativo de Napoleão Bonaparte até 1814. A lenta insatisfação com o governo e o ideário francês fez-se sentir com o surgimento do movimento romântico. O retorno às tradições ‘nacionais’ e a ‘descoberta do povo’ entram em voga. Arnim é exemplo desta primeira geração de românticos que busca com entusiasmo o estudo da Idade Média Alemã, suas sagas, canções e contos populares e manifesta certa nostalgia em relação à idéia do Reich. É assim que nasce o movimento em rebelião com a razão, inspirado na Idade média e em tudo aquilo que possa ser considerado único aquele povo, cheio de humanismo, e com a exaltação das paixões.
Tal influência na obra é perceptível pela forma definitiva que Wilhelm Grimm dera para a coletânea de contos populares mais conhecida do mundo, a obra de 1812: Contos para a infância e doméstico. Fora Wilhelm que fizera as alterações de ordem estilística e de conteúdo nos contos, de modo que estes se adaptassem melhor aos conceitos humanistas do Romantismo, deixando para trás a violência anteriormente inserida nos mesmos. “Os contos populares foram não apenas traduzidos dos diferentes dialetos para o ‘alto alemão’. Eles passaram também por um processo de depuração moral” (DA MATA e DA MATA, p. 7).
As estórias da tradição oral não eram destinadas para as crianças, mas sim aos adultos. Fora esta adaptação moral, iluminada pelo Romantismo, que fizera possível a transição. O trecho de Oliveira fala muito bem quais são as mudanças significativas, assim como as principais características provindas do romantismo:
“O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário. Assim, a violência (presente nos Contos de Perrault) cede lugar a um humanismo, onde se destaca o sentido do maravilhoso da vida. Perpassam pelas histórias, de forma suave, duas temáticas em especial: a solidariedade e o amor ao próximo. A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas estórias, o que predomina, sempre, é a esperança e a confiança na vida”.(OLIVEIRA, p.1)

Por fim, vale dizer que é nesta mudança de moral que surge a desavença com Von Arnim, romancista alemão cuja influência em Wilhelm nesta depuração moral foi grandiosa. Este atrito sofrido mostra o conflito entre o que originou a obra e as modificações sofridas, o conflito entre o historicismo mais eminente em Jacob e o Romantismo mais encarnado em Wilhelm. Em uma carta de Jacob endereçada a Wilhelm, este faz o seguinte comentário quanto a Arnim e Bretano[1]: “não lhes interessa em nada a investigação histórica meticulosa, de todo modo que não se contentam em deixar o antigo como está, mas tentam adapta-lo ao nosso próprio tempo” (GOOCH, G. P. apud DA MATA e DA MATA, p.8).


PERRAULT

Charles Perrault e seu contexto:
Charles Perrault (1628-1703) é filho de seu tempo. Este advogado viveu no século XVII, na época do absolutismo e do classicismo, e do Rei Sol. Nesta época, segundo Góes, surge uma preocupação muito grande com uma literatura infantil e juvenil. São contemporâneos de Perrault, Condessa Murat e Mme. D’Aulnoy.
Como já foi dito anteriormente, Perrault compôs suas narrativas com argumentos tirados da ficção popular, dividindo com os Irmãos Grimm sua fonte: Basile, e seus contos do Pentamerón. “Perrault recolhe o folclore, a tradição e transforma-os em verdadeiras obras de arte” (GÓES, p. 78).
As idéias pedagógicas de Perrault são de acordo com a sua época. “Para Perrault, a principal característica do livro para crianças era, evidentemente, a moralidade de inspiração cristã, mas apresentada disfarcadamente” (GÓES, p. 77). Sua moralidade não é pedante, nem pesada, é diluída no conteúdo; assim como o maravilhoso não é seu enfoque, a presença do mágico se tornou em sua obra, na verdade, bem modesta. O conto tinha sempre duas partes: Uma narrativa e, ao final, conceitos morais em forma de verso. “Essa perspectiva promove, desde a fase inicial, na chamada literatura infantil a existência de um teor pedagógico associado ao lúdico” (OLIVEIRA, p. 1).
Mas a perspectiva anterior não é a única, na verdade é a menos corrente. Há outras maneiras de ver a obra de Perrault, e que podem ser identificadas, por exemplo, em comparação com as adaptações dos irmãos Grimm. Nesta comparação é possível perceber que os valores cristãos ainda não estão de todo presentes na obra de Perrault. Sendo o francês anterior a Idade das Luzes, sua moral também não é de todo presente, e, se comparado a Jacob e Wilhelm, o espaço para o mágico, para o paganismo, para uma imagem de mulher menos santificada; enfim, para aquilo que não é condizente com os valores cristãos, é muito maior em sua obra do que na obra dos Grimm.
‘Os contos da Mamãe Ganso’ é sua obra mais conhecida. Nesta estão presentes: O Chapeuzinho Vermelho; O Barba Azul; O Gato de Botas; As Fadas; A Gata Borralheira; Henrique, O topetudo; O pequeno polegar; e, a obra que nos ajudará a ver como as diferentes perspectivas influenciam na mudanças dos contos, A Bela Adormecida (no bosque).
Na versão da Bela Adormecida no Bosque de Perrault: Os presentes e o número de fadas é distinto. Não só são sete fadas ao invés de treze fadas, como no conto dos Grimm, como na versão de Perrault, A Bela Adormecida no bosque se casa e tem dois filhos: Dia e Aurora. E esta não é sua única diferença. O príncipe demora a assumir para seus pais a mais bela de todas como sua mulher porque, na história de Perrault, a mãe do herói é uma ogra, que poderia vir a comer seus filhos, dado que a carne de crianças é uma iguaria para ogros. A Rainha só vem descobrir quando seu marido morre e seu filho, o príncipe, vem assumir o trono e traz sua família consigo. Enraivecida com a mentira, quando seu filho sai para a guerra, ela planeja comer não só Dia e Aurora, mas também A bela Adormecida. Seus planos só não se tornam realidade porque o Mordomo serve-lhe carne de bezerro e corça, enganando-a. Ao final do conto, a Rainha Ogra descobre a farsa, e planeja por em um caldeirão cheio de bichos peçonhentos A bela, seus filhos, o mordomo e seus familiares. Ela é impedida pelo príncipe, que chega no exato momento em que sua família seria colocada no caldeirão. Diante de tal situação, não podendo negar suas pretensões, a Rainha se joga no caldeirão.
Pois bem, o casamento e o drama vivido com a família do príncipe de Bela Adormecida são inexistentes na versão dos Grimm. Na versão de Jacob e Wilhelm, a princesa, quando encontra seu herói, é “feliz para sempre”. Tem-se aqui uma imagem da mulher pudica, insere-se uma esperança nos contos que antes não era colocada. O amor e o humanismo estão presentes da versão dos Irmãos. Aqui a violência é substituída pelo amor e pelo “felizes para sempre”.

Bibliografia:
OLIVEIRA, CRISTIANE MADANÊLO DE . Charles Perrault (1628-1703) e Irmãos Grimm: Jacob e Wilhelm (entre1785 e 1863) [online] Disponível na internet via URL: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/
RICHE, Flávio Elias.Friedrich Karl von Savigny e a Escola Histórica do Direito. [online]. Disponível na internet via URL: http://www.geocities.com/flavioriche/Savigny.htm
DA MATA, G. V. e DA MATA, S. (2006) Os irmãos Grimm entre Romantismo, Historicismo e Folcloristica. Brasil, Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, vol. 3, Ano III, no. 2. Disponível na internet via URL: http://www.revistafenix.pro.br
GRIMM, Jacob e Wilhelm. (2000) Contos de fadas. São Paulo, Ed. Iluminuras.
PERRAULT, C. (2007) Contos e fábulas. São Paulo, Ed. Iluminuras.
GÓES, L. P. (1984) Introdução à literatura Infantil e Juvenil. São Paulo, Ed. Pioneira.
[1] Autor romântico de grande ligação com Von Arnim.

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